O Papa Francisco encheu de coragem a República Democrática do Congo (RDC) antes de se dirigir para o Sudão do Sul. Pelo menos, quis isso e tentou-o com esta visita ousada e profética a lugares tristemente simbólicos, onde as guerras civis e a cobiça das riquezas atingem níveis de crueldade extrema.
O papa decidiu visitar estes dois dos pontos quentes do planeta. Falharam-lhe as pernas, mas nunca a vontade de realizar este encontro com as vítimas da guerra e da injustiça. Assim, teve de adiar estas visitas, mas não cancelou. Na sua cadeira de rodas, chegou a Kinshasa a 31 de janeiro. As suas intervenções, como todos esperavam, foram claras e incisivas. Tocou lá onde dói mais, como era necessário e urgente. Tudo foi cirúrgico: os encontros, as celebrações e as intervenções.
No seu primeiro discurso, aos governantes e diplomatas, o Papa usou os diamantes como imagem para falar do melhor e do pior que marcam o dia a dia das populações locais. Neste país riquíssimo de minerais, as pedras preciosas de carbono puro estão na origem de todas as tragédias que afetam o povo. A afirmação mais radical foi: ‘Tirem as mãos do Congo! Tirem as mãos de África! Os africanos têm de ser os protagonistas do seu destino!’’. Disse ainda: ‘Mas, se a geografia deste pulmão verde é tão rica e matizada, já a história não se mostrou igualmente generosa: atormentada pela guerra, a República Democrática do Congo continua a padecer, dentro das suas fronteiras, conflitos e migrações forçadas e a sofrer terríveis formas de exploração, indignas do homem e da criação. Este país imenso e cheio de vida, este diafragma da África, atingido pela violência como se fosse um murro no estômago, parece há muito sem fôlego’. Referiu adiante:’ o vosso país é verdadeiramente um diamante da criação; mas vós, todos vós, sois infinitamente mais preciosos do que qualquer bem que brote deste solo fecundo!(…)’. Cita depois o reverso da medalha: ‘o continente africano, em geral, padece ainda de várias formas de exploração. (…). O veneno da ganância tornou os seus diamantes ensanguentados. (…). Mas este país e este continente merecem ser respeitados e ouvidos, merecem espaço e atenção: Basta com este sufocar a África: não é uma mina para explorar, nem uma terra para saquear!‘. Concluiu: ‘Não podemos habituar-nos ao sangue que, há décadas, corre neste país ceifando milhões de vidas, sem que muitos o saibam.(…).; há que buscar mais o bem comum e a segurança das pessoas do que os interesses pessoais ou de grupo; reforçar a presença do Estado em todas as partes do território; cuidar das inúmeras pessoas deslocadas e refugiadas. (…).Quero convidar a todos para um recomeço social corajoso e inclusivo’.
Outro dos momentos fortes foi a Missa celebrada no Aeroporto “Ndolo”. Na homilia, o Papa repetiu constatações e propostas. Recorto o que mais me marcou: ‘Jesus indica-nos três nascentes de paz, três fontes para continuar a alimentá-la. São o perdão, a comunidade e a missão. (…). É isto que Cristo deseja: ungir-nos com o seu perdão, para nos dar a paz e a coragem de perdoar, a coragem de realizar uma grande amnistia do coração. Faz-nos tão bem limpar o coração da ira, dos remorsos, de todo o rancor e ódio! (…). Somos chamados a ser missionários de paz, e isto nos encherá de paz. Trata-se duma opção: é dar espaço a todos no coração, é acreditar que as diferenças étnicas, regionais, sociais, religiosas e culturais vêm em segundo lugar e não são obstáculo.(…). Escolhamos ser testemunhas de perdão, protagonistas na comunidade, pessoas em missão de paz no mundo’.
O que levou Francisco à RDC foram os refugiados e deslocados. No encontro emocionante em que, em primeira pessoa, algumas das vítimas do Leste e Nordeste do país, contaram as suas tragédias ao Papa, ele disse-lhes: ‘ Para se dizer verdadeiramente ‘não’ à violência, não basta evitar atos violentos; é preciso extirpar as raízes da violência: penso na ganância, na inveja e, sobretudo, no rancor.(…). Tenham a coragem de desarmar o coração. (…). O que nos é pedido, em nome da paz, em nome do Deus da paz, é desmilitarizar o coração: tirar o veneno, rejeitar o ódio, desativar a ganância, cancelar o ressentimento; dizer ‘não’ a tudo isso parece fazer-nos débeis, mas na realidade torna-nos livres, porque dá paz. Sim, a paz nasce dos corações, dos corações libertos do rancor’.
Mas pode haver neste mundo países onde as populações sofram mais que na RDC? Pode e há, infelizmente. Foi isso que o Papa encontrará na etapa seguinte desta viagem corajosa, provocadora e profética. Na próxima crónica iremos até um deles, o Sudão do Sul.
Tony Neves, CSSp.,